sábado, 12 de novembro de 2011

LC. EXCELSIOR & C. MENDELII



---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Carlos Keller <carlosgkeller@terra.com.br>
Data: 24 de outubro de 2010 03:23
Assunto: [Mundo Orquidófilo] LC. EXCELSIOR & C. MENDELII
Para: MUNDO ORQUIDÓFILO <orquideas@yahoogrupos.com.br>

 

Lc. Excelsior 'The Globe' HCC/AOS e curiosidades sobre a Cattleya mendelii.

Este é um híbrido antigo, criado por Frederick Sander em 1911 e dada a sua simplicidade, agrada principalmente a quem gosta de espécies. A flor lembra um pouco aquelas Cattleya trianaei chamadas de blush (corada) ou splash (mancha espalhada), numa alusão ao flameado rosado no meio das pétalas. O interessante a se notar é que este híbrido nada tem de Cattleya trianaei, sendo um cruzamento muito simples entre Lc. Canhamiana e Cattleya mendelii. A Lc. Canhamiana é por sua vez um híbrido primário entre Laelia purpurata e Cattleya mossiae. Temos neste híbrido, portanto, 50% de Cattleya mendelii, 25% de Laelia purpurata e 25% de Cattleya mossiae. É possível que o flameado da Lc. Excelsior tenha vindo da Laelia purpurata. Não encontrei referências da presença de flameado nas outras duas matrizes.

 

Quero lembrar aqui que a Cattleya mendelii que se conhece na atualidade, é uma triste sombra da que foi conhecida e usada como matriz no passado. Essa Cattleya foi no final do século 19 e início do século 20 uma das principais matrizes usadas para se alargar pétalas e aumentar o tamanho dos híbridos, sem, no entanto, transmitir aos filhos as suas cores. Com isso, predominava na prole já melhorada na forma e no tamanho, as cores da outra matriz empregada. Acredita-se que esse fator se dê pela fraca substância da Cattleya mendelii. Um híbrido com Cattleya mendelii muito conhecido na época foi a Cattleya Suavior (mendelii x intermedia), criada por Veitch em 1887. Trinta e cinco anos mais tarde, em 1922, esse híbrido foi refeito pela mesma empresa, agora denominada Veitch & Sons, numa versão pelórica usando-se a Cattleya intermedia aquinii descoberta na natureza, após uma divisão dela ter chegado à Europa. Já que o híbrido estava registrado anteriormente, essa segunda versão dele passou a ser denominada Cattleya Suavior var. aquinii e é a precursora de muitos híbridos flameados da atualidade. Os exemplares atuais da Cattleya mendelii, no entanto, são de pouco interesse para se fazer cruzamentos. O que aconteceu foi que no final do século 19, lá por 1880, um coletor de Sander descobriu na Colômbia, país do qual a Cattleya mendelii é endêmica e dentro da sua área de distribuição, uma população isolada dessa espécie existindo apenas em um penhasco, o qual estava situado entre as cidades de Pamplona e Bucarananga. As flores da Cattleya mendelii desse penhasco eram diferentes das demais da região por serem enormes, algumas com 20 cm de diâmetro e também por possuírem uma excelente forma. Assim que os raros exemplares vindos desse local começaram a chegar à Europa, eles viraram uma febre entre os hibridadores e as suas divisões passaram a valer o seu peso em ouro. Sander, que era muito ambicioso, ficou completamente obcecado por essa população isolada e enviou para lá um batalhão de coletores ingleses. Esses coletores simplesmente retiraram do penhasco todas as plantas dessa espécie que lá vivam, inclusive os seedlings que lá cresciam. Não satisfeitos com isso, eles percorreram os vilarejos das imediações, comprando dos moradores os exemplares dessa orquídea existentes nos seus jardins. Nada ficou para trás, nem uma única folha. Quando na Inglaterra chegou o carregamento desse material coletado, todas as plantas foram acomodadas nas estufas de Sander e à medida que floriam, eram vendidas por somas altíssimas nos leilões da sua empresa. Surgiram dali clones famosos, como os: 'Thules', 'Bluntii', 'Cowan's Variety', 'Mutch', 'Dale's Fine Variety' e 'Gloriosa'. Todos esses clones possuíam flores com 20 cm de diâmetro, medida muito superior às da Cattleya mendelii atual. Dentre todos os clones que apareceram vindos do penhasco, o melhor foi o albo 'Stuart Low'. Nesse clone, além das flores serem enormes e albas, o que por si só já era uma raridade, a falha genética causadora do seu albinismo estava num local da cadeia de DNA que combinava com o das albas de outras espécies, de maneira que o 'Stuart Low' quase sempre dava filhos albos. O Homem, no entanto, parece que tem a vocação para destruir tudo o que é belo e valioso e na Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a quase totalidade das estufas com orquídeas da Europa foi destruída por bombardeios e as poucas que restaram intactas, a maioria na Inglaterra, tiveram as suas plantas congeladas no período do inverno pela falta de combustível para a calefação. Com essa tragédia, muito pouca coisa sobreviveu e a população de Cattleya mendelii gigante ficou completamente extinta, pois na natureza ela já se extinguira antes com a indiscriminada coleta e agora se acabava também em cultivo. Foram-se todas. Foi o fim de uma era de ouro para a espécie. Uma luz no fim do túnel, no entanto, apareceu. Sander, após a Primeira Guerra Mundial, construiu em Burges no noroeste da Bélgica, vastas estufas visando ampliar o cultivo de orquídeas e deixando de ser apenas um vendedor de plantas coletadas. Lá ele mantinha principalmente os seus híbridos, plantas únicas de uma época pré meristemagem, os quais chegavam a atingir preços estratosféricos. Pressentindo no final da década de 30 o inexorável avanço de Hitler, Sander começou a negociar com o orquidófilo norte-americano Clint McDade, dono do Rivermont Orchids, de Signal Mountain, Tennessee, a venda da sua coleção belga. McDade espertamente tentou ganhar tempo e com a proximidade dos exércitos alemães os preços começaram a despencar. Não era possível, no entanto, demorar-se demais na negociação, senão tudo estaria perdido. Um dia antes da blietzkireg de Hitler entrar em Burges em 1940, Sander conseguiu embarcar para os USA cerca de 10 mil plantas. Pelos registros, a Slc. Anzac (planta única), que obteve em 1938 um FCC/RHS e posteriormente recebeu o nome clonal de 'Orchidhurst', teve um preço inicial de dez mil dólares, mas acabou sendo vendida a McDade por meros trezentos dólares. Esse grupo de híbridos fugidos da guerra foi o esteio da hibridação na América e posteriormente, através do retorno de suas divisões à Europa, formaram a base da hibridação no resto do mundo. Voltando à luz no fim do túnel, após a chegada da coleção de Sander às instalações de McDade, apareceu nos Estados Unidos um exemplar da cobiçada Cattleya mendelii alba 'Stuart Low'. O que se dizia era que Sander, para salvar o fantástico clone, enviara no navio junto com o resto da coleção a única divisão dele que possuía, a qual estava na Bélgica junto com os seus híbridos. Esse clone existe até hoje nos orquidários norte-americanos mais tradicionais e foi vendido através de divisões até o final dos anos 50. Infelizmente, Eileen Low, herdeira da empresa Stuart Low & Sons, bisneta do fundador e ela própria uma famosa hibridadora, já idosa e um pouco antes de morrer, em uma entrevista à uma famosa revista de orquidofilia fez uma polêmica declaração. Disse ela que Sander não possuía uma divisão da Cattleya mendelii alba 'Stuart Low' e que o único exemplar existente, de propriedade da Stuart Low & Sons, foi destruído em um bombardeio que arrasou as suas estufas na Segunda Grande Guerra (1939-1945). Segundo ela, o clone existente nos USA era falso e o nome 'Stuart Low' foi nele indevidamente usado por algum espertalhão, o qual criou a ficção do envio da divisão por Sander para alavancar as vendas. Uma prova disso, e isso realmente é verdade, é que o clone existente nos USA não dá filhos albos e as suas flores não possuem os 20 cm de diâmetro mencionados nas premiações que o clone original recebeu, nem têm tão boa forma assim. Pelo jeito, tudo foi mesmo perdido... Sempre, no entanto, existe uma salvação. Uma Cattleya mendelii desse penhasco deixou uma neta híbrida a qual se tornou no decorrer do tempo a melhor matriz de todos os tempos, que é a Cattleya Horace (F. 1938). A Cattleya Horace herdou da avó a faculdade de melhorar a forma e tamanho da sua prole, sem, no entanto, aparecer nela. Predomina quase sempre nos seus filhos, as cores da outra matriz usada na hibridação. A Cattleya mendelii tem uma assinatura própria que aparece nos seus descendentes. É uma pequena mancha triangular roxa, situada no centro do disco do labelo. Esse triângulo só é visível em flores que possuem a cor do labelo relativamente clara, pois os de labelo escuro acabam encobrindo esse triângulo com a sua própria cor. Eu, se fosse um orquidófilo da Colômbia, através de pesquisas dos registros antigos de coleta, tentaria localizar novamente esse penhasco citado pelos empregados de Sander. Cem anos depois, é possível que algum remanescente dessa mítica população de Cattleya mendelii gigante tenha se restabelecido. Por mais que se retire tudo, sempre fica algum seedling escondido e também todas as sementes que caíram das cápsulas na época da coleta. O fungo mycorrhiza das raízes das plantas originais ficou no solo, de maneira que o terreno era fértil para a germinação das sementes que ali ficaram. Seria uma viagem de pesquisa muito interessante...

 

Continuando com o híbrido das fotos, o clone 'The Globe' recebeu um HCC/AOS de 78 pontos quando foi exposto pelo orquidófilo James Cave em uma mostra regional em San Antonio, Texas, em 30 de maio de 1981. Ao mesmo tempo, a planta exposta recebeu também um prêmio de cultivo, um CCM/AOS de 85 pontos, pois exibia vinte e um pseudobulbos, onze dos quais floridos, apresentando no total trinta e cinco flores, todas elas muito bem posicionadas acima da folhagem, a qual apresentava um crescimento bastante comportado e simétrico. O vaso tinha apenas vinte centímetros de diâmetro! No Brasil este é um híbrido antigo que desapareceu das vendas a bastante tempo, mas agora ressurgiu novamente no mercado. Eu já o conhecia por fotos e tive o privilégio de ver florido pela primeira vez ao vivo, um exemplar desse clone em uma exposição no Jardim Botânico de São Paulo, creio eu em 2005, quando uma planta lindamente florida foi exposta na estufa da direita, a que possui o lago com rocha artificial e muita vegetação, principalmente samambaias e bromélias. O exemplar da foto está na sua primeira floração e está no meu orquidário a pouco tempo. Foi adquirido no Orquidário Binot, de Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro. A floração apresentada é fraca se comparada com a de um indivíduo já bem estabelecido em cultivo. Nele as flores teriam ao invés de uma mancha splash cor de rosa no centro das pétalas, uma faixa larga longitudinal dessa cor que abrangeria todo o comprimento das pétalas. Espero poder apresentar à vocês uma floração dessas no ano que vem. Carlos.

 

Carlos Keller
Rio de Janeiro, RJ
carlosgkeller@terra.com.br

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